O mendigo.
Por cá temos um novo habitante. Montou o estaminé debaixo de uma ponte aqui perto. Tem uma mão cheia de cães, de vários portes e feitios, mas todos eles arraçados de Pitbull. O que para já não me assusta. Aqui há tempos cruzei-me com ele à porta do supermercado onde costuma estar a pedir. Meti-me com os cães, fiz-lhe festas. Contou-me que os apanha na rua quando são abandonados. São animais dóceis, meigos, e incrivelmente bem tratados. Pelo menos aparentemente. Não lhe dei esmola e ele também não ma pediu. Passado algum tempo cruzou-se comigo nas ruas da vila, deu-me os bons dias de forma muito educada "Bom dia minha senhora, como está?" Quem estava comigo, curiosamente um elemento do nosso rancho, perguntou-me logo "A São conhece? Tem tão mau aspeto!" E é isto que me preocupa, o preconceito do povo daqui, povo que vai a Missa se calhar todos os dias mas que não tem compaixão do próximo nem é capaz de um ato de caridade. Hoje apanhei uma senhora a correr com ele da porta do supermercado. E o único argumento que o mendigo usava era "Eu não faço mal a ninguém", sempre de uma forma educada e sem levantar a voz. Lá dentro mais outra, instigada pela primeira que entretanto tinha já feito as suas compras, dizia que no outro dia o tinha ouvido dizer para o ar "Quero ver quem é que hoje não me dá de comer!" Todos nós temos os nossos dias. Não sou apologista que se sustente este tipo de gente e que se fomente este tipo de vivência, nem sequer sou pessoa de dar esmolas, mas também não é preciso escarnecer deles. Muitas das vezes por detrás desta gente que tanto assusta as beatas locais há historias impressionantes de sofrimento e dor, e nem sempre droga ou vícios ingratos. Quem somos nós para julgar os outros?