Gentes...
Nas férias da Páscoa cruzei-me com uma senhora cega já com os seus 65/70 anos que muito provavelmente tinha cegado recentemente. Ia eu a conduzir o carro a caminho da casa dos meus pais quando, numa rua bastante larga, vejo uma senhora forte, de bengala de cego na mão, no centro da estrada, a descer por ali abaixo como se fosse um enorme passeio. Um carro que vinha no sentido contrário aproximou-se dela com cuidado e percebi pela sua reacção que provavelmente o condutor a deve ter alertado para o facto de estar no meio da estrada. Disse à minha filha que estava comigo "Vou parar e vou ajudar aquela senhora...". Parei o carro em segunda fila mas não cheguei a sair de dentro dele porque entretanto a senhora já vinha na minha direcção. Optei por esperar que ela chegasse ao passeio. Quando se cruzou comigo deu uma traulitada no meu retrovisor entortando-o. Da boca saiu-lhe uma resmunguice ordinária por estar um carro parado ali no meio... Perguntei-lhe se queria que a ajudasse a ir para o passeio. Com uma voz forte equivalente ao seu ar grande e rude respondeu-me que não era preciso, "... vou só ali ao café." O café ficava dois quarteirões abaixo. Não me agradeceu e seguiu o seu caminho. Fiquei com pena e ao mesmo tempo irritada. Aquela mulher recusou a minha ajuda. A sua teimosia parece-me ser o seu grande motor, é aquilo que provavelmente a faz avançar. Cega, teria tudo para ser uma coitadinha, mas parece-me que acontece precisamente o contrário. Tenho-me lembrado dela muitas vezes. Se nós tivéssemos pelos menos um pouco da sua resistência e força de vida tudo seria muito mais fácil. Ou não. Se calhar não seria mais fácil mas pelo menos estaríamos focados em nós próprios em vez de andarmos a escravizar os outros em nosso beneficio...
- Mamã, a senhora nem te agradeceu... podia pelo menos ter-te dito obrigada. Quer dizer paraste o carro para a ajudar, entortou-te o espelho e ainda disse um palavrão, e nem te agradeceu...
- Ritinha, não faz mal! Fiz o que achei que devia ser feito, achei que podia ajudar. O que importa é agirmos de acordo com aquilo que sentimos. Eu fiz a minha parte. O ela não ter aceitado a minha ajuda é um problema dela... não meu. Vamos ter com os avós?
- Vamos!