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Sou Mais Eu...

Sou Mais Eu...

25.01.17

O Explorador...

soumaiseu

Hoje levanta-se da cama, põe o cinto das calças por cima da camisa do pijama com as fronhas de fora e espera que eu saia da casa de banho junto à porta de casa.

- Então? Está aí de pé? 

- Estou à espera que me abras a porta que quero ir trabalhar...

- Sr Norberto, que idade é que você tem? Você já não trabalha...

- A idade não quer dizer nada para o trabalho...

- Pois não! Mas você deixou de trabalhar há muito tempo. Já trabalhou muito mas agora já não trabalha...

- Já trabalhei muito já!

- Então deixe lá o trabalho e venha mas é almoçar que o comer já está feito.

- Eles dão-me lá almoço...

- Mas isso é a quem lá trabalha... você reformou-se por causa das suas ancas...

- Pois foi! Fui operado fui... às duas....

- Então venha lá comer... depois logo se vê...

E depois do almoço o amoque passou-lhe... não mais se lembrou do trabalho. 

21.12.16

O Explorador...

soumaiseu

Cheguei à conclusão que tomar conta do sogro tem sido uma brincadeira de bebes desde que ele veio cá para casa. Nos últimos dois dias o sogro tem estado em crise. Iniciou todo um discurso desconexo e repleto de palavrões. Está desnorteado, agressivo, ameaça as gatas que lhe dá uma bengalada que as "f..de!". Aponta a bengala à neta e dispara um tiro. Chama-lhe galinha. Roga a morte à minha mãe. Diz-me claramente que a minha obrigação é lavar o que ele suja. Há duas noites atrás não dormiu. Combateu o sono tal como uma criança que se recusa a fechar os olhos, falando constantemente, dizendo palavrões, ameaçando tudo e todos, batendo sistematicamente com a bengala no chão num movimento rítmico extremamente irritante, mexendo constantemente os pés enquanto está sentado onde calha porque andar ou manter-se em pé é quase impossível... 

- Que estás a fazer? Para quieto com os pés! - diz-lhe o filho.

- Eu estou a andar, não vês? Estou a andar à 10 minutos e não há maneira de chegar ao meu destino...

Cinco da manhã. O filho não dorme porque o sogro se recusa a ir para a cama. Não tem sono e ainda é cedo, diz ele. Encontro um marido desnorteado. Já tentou de tudo. Nada o faz deitar-se. Sugiro-lhe que ligue para a Saúde 24. Durante a chamada descobrimos que tem os diabetes a 251. Acaba por ir para o hospital com o INEM. São feitas as análises ao sangue e à urina de rotina, nada se deteta. É visto por um neurologista que tem acesso ao processo e que imprime o relatório dos testes neuropsicológicos já realizados para nos dar essa informação: a psicóloga conclui o relatório com o diagnóstico de Demência de Grau II. Continuamos à espera que o chamem para internamento a fim de realizar as punções lombares que irão concluir definitivamente o diagnóstico. Entretanto vem para casa com medicação para dormir e uns pensos para estabilizar a doença. 

Ontem. Durante o dia continua desnorteado e incoerente.  À noite, já sob o efeito do comprimido para dormir o sogro continua a combater o sono.

- Ainda é cedo. 

- Vai para a cama. - diz-lhe o filho.

- Hei-de ir, mas ainda é cedo...

Vai à casa de banho urinar. Mal se mantém de pé. Acaba por fazer na fralda não tenho consciência disso. Com as calças nos tornozelos quase se mata ao desequilibrar-se. Ao segurar-se para não cair descola-me a pedra mármore do lavatório da parede. Perdemos ambos as estribeiras com ele. O filho passa-se, grita-lhe. Manda-o para a cama imediatamente de uma forma firme e assertiva. A caminho do quarto ainda tenta ir "ver se está tudo bem na sala". O filho não deixa e impõe mais uma vez a sua vontade. Conseguimos finalmente po-lo na cama. Meia hora depois já ressonava.

Até agora tem sido tudo muito fácil. Pressinto que agora sim, agora as coisas vão começar a complicar. No espaço de cerca de um ano o sogro atingiu o segundo grau de demência. Pergunto-me quanto tempo levará a atingir a última fase... Nem quero pensar naquilo que nos espera. Difícil! Muito difícil! Avizinham-se tempos muito complicados... Oh Deus! 

28.11.16

O Explorador...

soumaiseu

Um quarto para as cinco da manhã. Sobressalto com o Toc-toc da bengala no chão. Acordo o marido. Digo-lhe que o pai anda outra vez a passear pela casa. O marido levanta-se e encontra-o na sala.

- Que andas a fazer?

- Estou a ver se há por aqui alguma coisa para roubar...

- Para roubar?

- Sim... isto é uma mesa... isto é uma cadeira... aqui é roupa...

- Não há aqui nada para roubar, estás em casa...

- Mas deixa ver, pode haver aqui alguma coisa...  e ali? - referindo-se ao nosso quarto.

- Ali também não, é onde nós dormimos...

- Então deixa lá ver melhor... pode haver aqui alguma coisa para roubar...

Levanto-me da cama, encontro as coisas no corredor reviradas e espalhadas pelo chão, e no chão do quarto dele um lago de urina. No meio da confusão mental algo correu mal e aliviou-se mesmo ali. Um limpa o chão outro arruma as coisas. Depois passo por ele e pergunto:

- Porque é que está acordado?

- Ah, espalhei o sono e agora estou acordado...

- Sabe que horas são? Veja lá no relógio as horas.

- São cinco...

- São cinco da tarde ou da manhã?

- É de noite...

- Então são cinco da manhã. O que é que se faz a esta hora? 

- (Confusão)

- A esta hora as pessoas normais dormem. Porque é que você anda a passear pela casa a esta hora? Vá dormir! A esta hora dorme-se!

- Está bem, vou-me deitar mais um bocado...

E assim fez. Ficámos sem saber se ele queria roubar alguma coisa ou se queria precaver-se contra terceiros.

E nós? O marido adormeceu de imediato, eu, irritada e perplexa com o charco no chão perdi o sono. Às 6 e pouco ainda estava na net a absorver informação sobre demência vascular e punções lombares... Vou ficar craque no assunto. Oh, vida! 

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