Conto de Natal
Já tinha quase seis anos.
Os pais já se tinham questionado se não estaria na altura de lhe contar a verdade. Todos os anos repetiam o mesmo ritual. Iam os três até ao sotão, traziam para baixo as caixas de bolos onde ficavam guardadas durante mais tempo do que deviam as decorações de Natal. Num ápice a sala ficava desarrumada de alegria. Ele gostava disso. Gostava do ar carrancudo que o pai punha quando distribuia cada lâmpada mágica pelas agulhas do pinheiro. Mas o que ele gostava mesmo era de pôr as bolas. Naquele ano enquanto o pai enterrava o pinheiro no vaso de areia a campainha tocou.
Vais lá? - Perguntou ele à mãe.
- Não posso. Estou na casa de banho... - gritou ela.
E o pai foi à porta.
Entretanto ele deu pela falta das bolas de Natal. Não podia ser. Aquela era a sua parte, a sua contribuição na decoração da árvore de Natal. Saiu da sala, passou pelo corredor e subiu as escadas até ao sotão. Procurou a caixa mas não havia nenhuma. Estariam num saco? Escondido a um canto, meio tapado com um lençol velho encontrou um saco levemente aberto de onde saiam uns panos vermelhos. Depois de uma breve inspecção levou-o para baixo numa grande agitação, quase a adivinhar que alguma coisa não estava bem.
- Pai, porque é que temos um fato de Pai Natal no sotão?
O pai não sabia bem o que dizer. Depois lembrou-se da conversa que tinha tido com a mãe. E então,com muita calma, começou.
- Bem, tu sabes o que é o Natal? É uma época de paz interior, em que todos sentimos uma grande vontade de fazer o bem, sermos bons uns com os outros e darmos presentes. O pai Natal tem uma função muito importante nesta época, mas ele vive nos paises da neve, muito longe daqui. Há muitos meninos há espera dos presentes do Pai Natal e ele não tem tempo para os entregar a todos pessoalmente. Então fez um acordo com todos os pais que sentem o Natal dentro deles. Estes pais vestem um fato igual ao dele, e na noite de Natal todos estes pais podem ser "Pais Natal " por algumas horas. Eu também fiz esse acordo...
-Tu tens o Natal dentro de ti? - perguntou ele.
- Sim. Desde que tinha a tua idade!
Não ficou muito convencido, não percebia porque é que o Pai Natal verdadeiro não tinha tempo para ele. Portava-se sempre bem durante o ano, ajudava a mãe a pôr a mesa e arrumava os seus brinquedos ... não entendia. Passou os restantes dias com um ar muito pensativo, a olhar para a árvore... por mais que quisesse não conseguia chegar lá. Quando perguntou ao pai porquê, ele respondeu-lhe que havia meninos que precisavam mais do Pai Natal do que ele, porque estavam doentes, estavam tristes, estavam sozinhos no mundo... mas nem assim.
Nesse ano a noite de Natal nao teve o mesmo gosto.
O pai apareceu com o seu fato vermelho e as suas barbas emprestadas pelo próprio Pai Natal. Tudo foi feito como sempre mas o sabor não era o mesmo. A dúvida permanecia... Chegou a desejar estar doente só para que o verdadeiro Pai Natal o viesse visitar.
Quando foi para a cama pediu à mãe que não corresse os estores. Já que não podia ser visitado pelo Pai Natal podia ser que o visse passar com o seu trenó pela janela. O sono pesava-lhe nas pálpebras... o calor dos lençóis aconchegava-lhe o corpo. Estava cheio de sono... ouviu um rebuliço lá fora, uma espécie de guizos... Atravessou o corredor quase sem respirar. Da sala apenas vinha a luz trémule das pequenas lampadas que decoravam o pinheiro... de cócoras na alcatifa estava alguém mais magro do que o habitual, com uma capa vermelha enrodilhada no chão... ao sentir a sua presença virou-se para ele, com o ar mais simpático que alguma vez ele vira, e entendeu-lhe um pequeno presente embrulhado em papel colorido. Abismado quis agradecer mas um dedo enluvado fez-lhe "Shiiiiuuuuu!" .
Acordou de madrugada deitado no sofá, cheio de frio... E quando ao levantar-se tropeçou num pequeno embrulho no seu rosto surgiu de imediato um grande sorriso. Abriu o presente.... e correu tão depressa quanto pôde para o quarto dos pais. Empurrou a porta encostada, lançou-se na cama deles e gritou:
- Pai! Mãe! Ele esteve aqui!
O pais ainda a dormir disseram-lhe para ir para a cama. Eram cinco da manhã, devia estar deitado..
- Não, ele esteve aqui, pai! O Pai Natal esteve aqui! Deixou-me uma prenda. Olha!
E esticou os braços segurando nas suas mãos geladas a pequena caixa aberta. Lá dentro estava uma simples bola de Natal.
Dourada.
Tão dourada quanto os seus sonhos de menino!