A alma das casas
Vendi ontem a primeira casa que comprei com o meu marido. A casa onde engravidei e onde nasceu a minha filha. Foi naquele corredor que ela deu os primeiros passos agarrada às paredes como se fosse uma pequena lagartixa. Foi no chão daquela sala que o avô a ensinou a gatinhar já depois de andar em pé como gente grande. Foi naquela cozinha que eu a vi espalhar pelo chão de tijoleira todos os meus tachos e panelas... Vendi-a porque teve de ser. Os muitos anos de arrendamento a pessoas desconhecidas e sem escrúpulos foram-na destruindo aos poucos. Acredito que as casas assumem um pouco da aura de quem lá vive, e por isso sei que aquela casa foi um dia tão feliz connosco como nós fomos dentro das suas quatro paredes e tenho a certeza que estes 13 anos de arrendamento abusivo a deixaram muito "negra". Ontem vendi-a a um casal que se apaixonou por ela, como nós, na primeira visita. Que viu nela muito mais do que destruição e paredes sujas. Tenho a certeza que serão tão felizes lá como nós fomos e que cuidarão dela como ela merece, com amor e carinho, tal como um dia eu cuidei. É só uma casa. É só um bem material. Os benefícios da venda impõem-se. Tenho menos uma mensalidade ao fim do mês, menos um condomínio, menos uma contribuição autárquica, menos chatices com o arrendamento. Ainda assim ficou-me um amargo na boca e as lágrimas soltaram-se-me dos olhos depois de entregar as chaves. É só uma casa. Eu sei. Mas. Só espero que cuidem bem dela...