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Sou Mais Eu...

Sou Mais Eu...

06.03.17

O Explorador....

soumaiseu

O explorador está de volta a casa. Feitas as punções o diagnóstico final é Demência moderada (Grau 2) com Parkinson... Estou lixada com F grande e todas as restantes letras. Não sei o que teria sido melhor, permanecer na ignorância ou saber definitivamente o que é que ele tem. Regressou medicado com o que já tomava e com nova medicação para o Parkinson. Li na net que este tipo de medicação aumenta a ocorrência de delírios e alucinações e a festa por aqui já começou. Às seis da manhã entra-nos pelo quarto a dentro, acorda o filho e diz-lhe:

- Ó António levanta-te que me hás-de ir ajudar a abrir ao gado. Já tocaram para o gado sair para o monte e é preciso abrir. Parece que há uns cordeiros que ficam mas eu não sei quais são...

(Na terra do meu sogro, em Alhões, Cinfães do Douro, ainda hoje se pratica uma técnica de "pastoreio comunitário", a Vigília, em que se juntam todas as cabeças de gado miúdo da aldeia, cabras e ovelhas, e 2/3 pessoas da povoação levam-nas para o monte, rendendo-se diariamente entre os habitantes da aldeia. Era a este abrir ao gado que ele se referia no seu delírio...)

06.02.17

É esta a realidade do nosso país...

soumaiseu

Estivemos hoje, eu e o filho, numa dependência da Santa Casa da Misericórdia na tentativa de saber informações e procedimentos: isto de ter em casa um familiar com Demência não é pera doce e mais tarde ou mais cedo teremos, inevitavelmente, de tomar outras medidas por muito que isso nos desagrade. Explicámos a situação à funcionária, qual o grau de demência, comportamentos, que não pode estar sozinho porque não se alimenta nem toma a medicação por si mesmo, que se desorienta e se perde na rua, que tem períodos de alucinação e deambulação noturna...

- Que idade tem o pai?

- 73

- Onde vive?

- Neste momento connosco.

- A morada do pai?

- Olivais (e demos a morada concreta)

- E agora está onde?

- Connosco, em Moscavide. 

- Isso é Loures...

- Certo.

- Há quanto tempo está o pai com vocês?

- Desde finais de Agosto.

- O pai tem cá ficha?

- Não.

- E a mãe ou algum de vocês tem cá ficha?

- Também não...

- Está bem, eu vou ver se as minhas colegas assistentes sociais já cá estão e vou confirmar com elas o que podemos fazer nesta situação. Dêm-me uns minutos por favor. 

Enquanto esperávamos a questão da ficha não me saia da cabeça. Que raio de insistência nessa questão. Se a pessoa nunca precisou de recorrer a esta Instituição obviamente que não tem ficha. E só se ajuda quem tem ficha, é? Parece que sim porque a senhora regressou com informações nada agradáveis de se ouvirem:

- Bem, neste caso, como o pai está com vocês desde Agosto já não podemos fazer nada. O pai pertence a Lisboa mas neste momento está na vossa casa que pertence a Loures. Não temos ação em Loures. Tentem junto da Ação Social de Câmara Municipal de Loures ou junto da Segurança Social....

- Desculpe - disse eu - ele está efetivamente connosco porque não pode estar sozinho, qual era a alternativa? Mudar-nos de malas e bagagens para casa dele? Tivemos de o trazer para ao pé de nós...

- Pois eu entendo, mas como ele já está convosco desde Agosto já não podemos fazer nada...

Olha que merda! Basicamente o que a senhora nos quis dizer foi que se nós temos tido capacidade de tomar conta dele até agora na nossa casa e se nos temos amanhado e temos de alguma forma vindo a conseguir fazê-lo, então vamos ter de continuar assim porque dali não vamos obter qualquer tipo de apoio ou ajuda. É esta a vergonha do nosso país. Vi lá cidadãos de etnia cigana a serem atendidos, a quê não sei nem me interessa, e se precisam de ajuda acho muito bem que lha deem, a questão é que essa ajuda é entregue muitas vezes de forma errada e a quem menos precisa. E reparem, nós não fomos pedir dinheiro ou qualquer bem material, só queríamos saber como funciona, o que teríamos de fazer quando chegasse a hora e onde nos dirigir. E nem isso foram capazes de nos indicar. É esta a realidade do nosso país! Uma vergonha! 

27.01.17

O Explorador....

soumaiseu

E esta madrugada o filho encontrou o pai a tentar caçar pulgas. Já se tinha despido da cintura para cima e revolvia a roupa à procura...

- Então? Que estás a fazer?

- Estou a apanhar pulgas. Não me deixam dormir com as ferroadas que me dão...

- Mas não há pulgas cá em casa...

- Estão na cama, sinto-as a rabear nas costas... 

O filho procurou com ele as ditas pulgas. Não havia nenhuma pinta de sangue, a marca concreta que as pulgas deixam quando nos picam. Tendo nós duas gatas em casa podia eventualmente haver alguma, mas não encontrou nada. Nem na roupa nem na cama... O sogro lá se deitou, não muito convencido, mas lá acabou por adormecer...

26.01.17

O Explorador: Noite de Asneiras

soumaiseu

O filho levanta-se de madrugada, 4 da manhã, encontra o pai sentado na cama e o chão do quarto todo salpicado de urina. Pega numa esfregona com água e detergente para limpar o chão:

- Deixa estar isso que isso agora seca... não é preciso limpar!

De manhã ao entrarmos na cozinha apercebemos-nos que andou a comer de noite. Comeu uma baguette com pasta de atum que o filho tinha deixado a descongelar para levar para o trabalho e uma maçã. Não satisfeito com a coisa atirou as cascas e o caroço da maçã mais o resto do pão que já não lhe coube na barriga para a gaiola da Chinchila (sim, temos uma Chinchila, o Tico, que gosta de companhia  e temperaturas amenas e por isso está sempre connosco na cozinha. Para os que não sabem as Chinchilas tem uma alimentação essencialmente à base de sementes e ervas, a fruta só é permitida se for seca, sem casca e sem caroço, e os nossos "petiscos" devem ser dados de forma muito, mas muito regrada. O que vale é que temos um bom veterinário sempre à disposição...) Claro que quando confrontámos o sogro com as asneiras da noite negou tudo...

- Não comi pão nenhum, não comi maçã nenhuma, não dei nada ao "rato"... Só vim à casa de banho fazer xixi e voltei para a cama...

Tão conveniente! 

25.01.17

O Explorador...

soumaiseu

Hoje levanta-se da cama, põe o cinto das calças por cima da camisa do pijama com as fronhas de fora e espera que eu saia da casa de banho junto à porta de casa.

- Então? Está aí de pé? 

- Estou à espera que me abras a porta que quero ir trabalhar...

- Sr Norberto, que idade é que você tem? Você já não trabalha...

- A idade não quer dizer nada para o trabalho...

- Pois não! Mas você deixou de trabalhar há muito tempo. Já trabalhou muito mas agora já não trabalha...

- Já trabalhei muito já!

- Então deixe lá o trabalho e venha mas é almoçar que o comer já está feito.

- Eles dão-me lá almoço...

- Mas isso é a quem lá trabalha... você reformou-se por causa das suas ancas...

- Pois foi! Fui operado fui... às duas....

- Então venha lá comer... depois logo se vê...

E depois do almoço o amoque passou-lhe... não mais se lembrou do trabalho. 

25.01.17

O Explorador...

soumaiseu

Enquanto varria a casa dei com o sogro a vestir umas calças por cima do pijama.

- Então? Veste as calças por cima do pijama?

- Não faz mal! Assim estou mais quente.

- Está bem! Já não volta para a cama?

- Não.

- Quer que lhe ligue a televisão?

- Não, não quero televisão. Primeiro vou tratar dumas coisas que tenho para tratar.

- Que coisas?

- Vou lá fora à hortaliça...

- Deixe lá a hortaliça, eu daqui nada trago-lha quando for buscar a Rita à escola...

- Não é para comprar! É para vender!

- Vender?

- Sim, quero ver se arranjo alguma coisa para vender. Se der algum deu, se não der paciência...

Pensei para comigo "pronto, lá vamos nós passear outra vez..." Entretanto lembrei-me que o sogro é viciado em noticias e pus-lhe a televisão no seu canal preferido, a SIC Notícias. Ele saí do quarto e eu insisto:

- A televisão da sala já está ligada...

- Não quero televisão. Vou dar uma volta...

Começo a stressar...

- Onde? Ó pá! Não me diga que hoje há passeio?! Olhe que está frio....

Ri-se e com ar de gozo responde-me:

- Vou dar uma volta vou.... - faz uma pausa para ver a minha reação e continua - mas vou dar uma volta mas é aqui em casa!

Olha o engraçadinho, hein? Para a próxima dou-lhe uma vassourada!

(E acabou por ficar grudado nas notícas e já não foi em "busca da hortaliça"....)

17.01.17

O Explorador...

soumaiseu

Hoje de manhã. Tocam a campainha para entregar uma encomenda. O sogro, que passa as manhãs deitado, levanta-se. Digo-lhe que se deixe estar que eu trato do assunto. Vou à porta, recebo a encomenda e volto a trancar a porta (desde a última vez que o sogro fugiu de casa mantemos a porta fechada à chave e as chaves no bolso). Cruzo-me com ele, está de pé no corredor. Diz-me que vai para a sala. Acendo-lhe a televisão e ligo o aquecedor. Regresso aos meus afazeres. Um minuto depois oiço alguém a mexer constantemente na fechadura à bruta e a abanar a porta toda. É ele.

- Então? O que está a fazer? Para lá com isso que ainda me estraga a fechadura....

- Quero abrir esta porta.

- Para quê? A porta está fechada. 

- Mas quero abri-la. Ouvi chegar um carro e quero ir ver quem é...

- Qual carro? Vá à janela da sala que dá para a rua. Vê de lá. A porta não dá para ver nada... (vivemos num primeiro andar sem clarabóia ou janela, só indo mesmo à porta do prédio é que se vê a rua em si. A alternativa é a varanda.)

- (Aos gritos comigo já claramente irritado) Abre-me a porta. Já te disse que quero ir lá fora. Tens a porta fechada porquê? Do que é que tens medo? Ninguém te faz mal...

Contrariada abro-lhe a porta. Ele começa a descer as escadas.

- Vai outra vez de pijama para a rua?

- E se fôr? Ninguém me dá outro. 

Saiu. Ficou na rua em frente à porta do prédio a ver passar os carros. Eu cá de cima da varanda guardei-o. Até que se cansou e veio para cima. 

- Então? Está calor não está? Ainda apanha alguma carraspana que eu depois quero ver como é!

- Qual carraspana! Eu não tenho frio. Nasci no meio do frio não tenho medo dele...

- Até um dia... - disse-lhe eu!

Voltei a fechar a porta à chave perante o olhar critico dele. Ele não disse mais nada e eu também não... 

Oh vida! 

11.01.17

O Explorador foge de casa...

soumaiseu

Onze e meia da manhã. O sogro, que costuma passar as manhãs a dormir, depois de uma boa ressonadela acorda em delírio, sai da cama, apanha-me distraída na cozinha e antes que eu me aperceba já ele está a sair de casa. Apercebo-me da porta a abrir e de umas chaves a tilintar: tenta fechar a nossa porta de casa com as chaves da casa dele. 

- Essas chaves não são daí... Que está a fazer de porta aberta?

- Vou à Missa. 

- A esta hora? A Missa foi de manhã às 9.30h. Agora não há Missa.

- Não há o quê?! - responde com agressividade - Combinei com umas pessoas. 

- Combinou com quem?

- Com umas pessoas e agora tenho de ir. Compromissos são compromissos.

- Mas vai onde? Não vê que está de pijama?

- Bah, deixa-me ir...

E sai pelas escadas abaixo. Só tive tempo de vestir um casaco e calçar as botas. À porta do prédio dois vizinhos dizem-me qual a direção que ele tomou. Sigo-o de longe porque sei que não saberá voltar para casa sozinho. Entra na Igreja. Ao sair dá de caras comigo.

- Afinal a Missa já foi...

- Eu não lhe disse? Porque é que você não acredita em mim?

- Mas ia haver aqui qualquer coisa, se não é aqui é lá em cima na Igreja da Portela.

- E vai a pé para a Portela? De pijama?

- Vai-te embora que eu lá irei ter...

E continua a deambular. Segue a rua sempre em frente, mas quando a estrada acaba e é forçoso virar à direita ou à esquerda ele bloqueia tal como eu esperava, e fica completamente perdido sem conseguir avançar mais um passo que seja. Entretanto falo com o filho que lhe liga para o telemóvel. Aproximo-me.

- Então? Já podemos ir para casa?

- Vamos então. Também estou à rasca para mijar...

Lá veio atrás de mim. Não sem antes tentar fazer o caminho para a sua antiga casa.

- Sr. Norberto, você já não está nessa casa, entregou-a, lembra-se? Agora está connosco. Venha comigo que eu sei o caminho. 

E eu, que esta noite acordei às 6.30 da manhã e já não voltei a dormir graças ao sogro (encontramo-lo mais uma vez desperto, sabe-se lá à quanto tempo, sentado na cozinha, recusando-se teimosamente em ir para a cama), estou irritadíssima... Estou cansada e com os nervos em franja! Era só o que me faltava agora: um sogro que para além de chanfrado também gosta de vaguear.... Que nóia!

10.01.17

O Explorador....

soumaiseu

IMG_20170110_103850.jpg

(Foto minha: Boneco antigo, que era meu, passou para a minha filha e que temos a decorar a casa-de-banho)

Segundo o marido (porque eu ferrei no sono e não dei por nada), o sogro hoje aterrorizou a existência deste boneco. Às duas da manhã agarrou no desgraçado e quis fazer um tampão com ele. Sentou-se na cozinha com o dito na mão enquanto estudava as suas hipóteses.

- Que tampão? 

- Um tampão. Já vais ver!

- Mas isso é da Rita -  dizia-lhe o filho.

- Mas vou fazer um tampão...

O filho não se atreveu a sair de ao pé dele com medo que ele resolvesse esquartejar o boneco. Até que se cansou e o largou dizendo que afinal não dava...

Nem os bonecos da Rita escapam ao terror do Indiana Jones cá de casa... Oh, vida! 

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