Coisas da Avó Maria da Luz...
Uma das coisas que sempre mais me fascinou na cultura das nossas gentes é a superstição, o fantástico.... Cresci a ouvir a minha avó contar-me histórias de bruxas, lobisomens, encruzilhadas encantadas... Rio-me muitas vezes de mim mesma porque não sou capaz de ver um filme de terror sem ficar completamente em pânico, mas depois não resisto a uma boa história de bruxas ou coisa do género!
Quando casei, o Norte passou a ser a minha segunda terra. Terra rude, de gente simples e rija. Muito supersticiosa! Tive a sorte de me calhar a avó materna do meu marido, a Avó Maria da Luz, que era completamente vidrada nestes assuntos. Dizia ela que já tinha vivido muito e tinha visto já muita coisa má... "Quando se anda pelos campos elas aparecem, e não há nada que nos valha, só Deus e Nossa Senhora". Talvez por isso rezava imperativamente o terço todos os dias, porque para ela essa era a sua única e possivel protecção. Quando a minha Rita nasceu, ela proibiu-nos de andarmos com a menina à noite na rua (é preciso explicar-vos que a familia materna do meu marido vive no campo, nos arredores de uma aldeia que se chama Valverde, na encosta do Rio Douro. Ali os castanheiros imponentes, a falta de luz electrica nos caminhos e os fetos húmidos impôem o seu respeito e fazem qualquer um sentir-se muito pequenino). A primeira vez que levei a Rita a conhecer a sua única Bisavó, ela tentou obrigar-nos a vir embora antes do anoitecer. Mas em Valverde janta-se tarde, só depois do trabalho do campo estar todo feito é que se pensa no estomago, por isso acabámos por vir à mesma hora de sempre, tarde e a más horas! Mas não sem que a Avó ordenasse "Marfida, traz lá daí um terço e um pedaço de pão"... A Avó pôs o terço e o pão dentro do bolso do babete da Rita, e terminou dizendo "O pai que a leve, as coisas más não se querem com os pais!" E foi assim que a Rita passou a vir sempre de Valverde. Quando a noite cai, o terço e o pão estão sempre presentes na sua indumentária, bem como o colo do pai. A certeza desta mulher fez-me nunca duvidar dela. Nem me passou pela cabeça contrariá-la! E ainda hoje, quando a quietude se abate nos campos, dou comigo a esticar o ouvido, para logo o desviar não vá o Diabo tecê-las!
Nota: A avó Maria da Luz faleceu no passado dia 26 de setembro. Tinha 94 anos. Os olhos azuis muito meigos, apesar da velhice que a tornou nos últimos tempos num ser de dificil trato. Connosco ficará sempre a imagem de alguém terno que acredita... E que está, garantidamente, junto de Deus e de Nossa Senhora!