Lembranças...
(Imagem retirada daqui)
A Páscoa é uma das minha épocas do ano preferidas, não só pelo carácter religioso que me diz muito, mas acima de tudo porque me traz à lembrança doces memórias, que me chegam carregadas de saudade, cheiros, cores. Lembro-me da minha avó materna e do seu ar ora trocista ora zangada com a vida. A minha avó sofreu aquilo que nenhuma mulher deve sofrer às mãos de um marido que a abandonou pouco tempo depois do casamento, grávida do primeiro filho, não sem antes a cobrir com uma boa dose de pancada. Voltou anos depois mais duas vezes para repetir todo o processo. A vida tornou-a numa mulher de temperamento excêntrico, senhora do seu nariz, dona de uma teimosia inata que a impelia a fazer só aquilo que queria. Regia-se pelas suas próprias regras quer fossem certas ou erradas. Era assim e pronto. Amava os filhos com o ninguém e amava os netos com a mesma ânsia. Foi ela que me mostrou o verdadeiro campo. O suor com que se regam as terras e a alegria de ver os campos a florescer. Com ela conheci o perfume das Giestas. O marulhar do açude. O balir das cabras. O som dos seus chocalhos lá ao fundo. O cheiro a bolos doces acabados de fazer. O cheiro da Matança do porco. E com ela aprendi a crer. Era crente a minha avó mas à sua maneira. Surpreendi-a várias vezes a chorar nas procissões do Enterro do Senhor, e com a mesma devoção com que chorava também se agarrava ao Adufe para cantar a Ressurreição de Jesus Cristo. Não permitia que ninguém a pisasse. "Em cima só se pôs um, não se monta cá mais ninguém!" Deixou-nos há muitos anos mas eu continuo a reencontra-la cada vez que a recordo, nas minhas lembranças, nos cheiros que deixou gravados na minha memória. Ainda me recordo da sua voz. Dos seus dedos mindinhos pequenos e retorcidos pelas artroses. Da roupa escura ou negra que ela própria costurava. "Vais fazer o comer, filha? Queres que te descasque umas batatas?". E fico com os olhos rasos de lágrimas porque é assim que uma avó deve ser. Intemporal. O tempo passa mas tudo o resto fica. Que saudades!
(Em memória da minha Avó Teresa)